Por Marcos Stefano
O tempo da tenebrosa Cortina de Ferro, conjunto de nações comunistas, vassalas da extinta União Soviética na opressão aos crentes em Jesus, já é passado. Contudo, novos “golias” se levantam em pleno século 21 contra a ação da Igreja. Um dos principais é o islamismo, crença que avança em todo o mundo, inclusive no Ocidente. A militância muçulmana, baseada em políticas de Estado no mundo árabe, representa a maior ameaça do momento ao Evangelho. Em países como Arábia Saudita, Iêmen e Irã, para citar apenas alguns, professar o cristianismo pode levar à morte. Mas a missão Portas Abertas tem feito tudo para não só encorajar e ajudar os cristãos que sofrem por sua fé, como também estimular os crentes que vivem no mundo livre a adotar essa causa como sua. A entidade internacional, fundada em 1955 pelo missionário holandês Anne van der Bijl – ou Irmão André, codinome adotado para mantê-lo no anonimato na época em que contrabandeava bíblias para o Leste Europeu –, é hoje o maior braço de apoio à Igreja Perseguida.
Há 13 anos na missão e um no cargo de secretário-geral, o pastor Carlos Alfredo de Sousa comanda o escritório brasileiro de Portas Abertas, em São Paulo. É uma equipe enxuta, bem de acordo com a filosofia da missão: empregar o máximo de recursos na atividade-fim e manter a transparência financeira e administrativa. “Temos mais de 5 mil projetos em andamento no mundo”, diz Alfredo. Membro da Igreja Aliança Cristã e Missionária do Aeroporto, casado, dois filhos, ele encontrou na missão uma maneira de atender ao chamado. “A Igreja brasileira é uma das mais dinâmicas no mundo e queremos que ela se envolva com o drama dos cristãos perseguidos. Esse é um privilégio e também um desafio que Deus nos entregou”, acredita. Carlos Alfredo recebeu CRISTIANISMO HOJE para esta entrevista:
CRISTIANISMO HOJE – Com o fim do comunismo, antigo fantasma da Igreja, qual é a grande ameaça à fé, hoje?
CARLOS ALFREDO – O Muro de Berlim caiu e o comunismo entrou em decadência. Mas, entre céticos e fanáticos religiosos, a perseguição tem crescido de forma alarmante em todo o mundo. O Instituto Pew Fórum publicou uma pesquisa que mostra que 70% da população mundial vive em locais onde existe algum tipo de limitação à liberdade religiosa. Países como o Brasil são uma minoria. E a tendência é que as restrições religiosas se tornem cada vez mais severas, mesmo que supostamente visem a defender a liberdade. Caso exemplar é o da França, que aprovou uma lei pela qual, em lugares públicos, não se pode ostentar símbolos religiosos, sejam eles quipás de judeus, véus de muçulmanos ou cruzes de cristãos. E isso está acontecendo em países onde, teoricamente, há toda a liberdade.
Portas Abertas não é uma missão convencional, que treina e envia obreiros para o campo. Como é o trabalho da organização?
Atuamos nos países e regiões onde existe perseguição, independentemente de qual seja seu motivo. Nosso trabalho é identificar os crentes locais, estabelecer formas de contato com eles, aferir suas necessidades e atendê-los com um objetivo: fortalecê-los em sua fé. Temos hoje cerca de 5 mil projetos em andamento, como distribuição de bíblias, treinamento de obreiros, fornecimento de microcrédito e iniciativas para geração de renda – já que, em muitos lugares, os cristãos são impedidos até de trabalhar –, entre outros. Procuramos também dar visibilidade internacional a casos de prisão e abusos contra cristãos em todo o mundo. Quando damos visibilidade a transgressões aos direitos humanos, a tendência é que a pressão, principalmente quando vem de governos, diminua. Nenhum governo quer ter problemas internacionais. Em dezembro, entregamos à ONU um manifesto intitulado Free to believe [“Liberdade para crer”], com mais de 500 mil assinaturas contra a Resolução da Difamação Religiosa.
Que resolução é essa?
A Organização da Conferência Islâmica, que congrega 57 países, tem apresentado sistematicamente na ONU um projeto que dá aos governos envolvidos o direito de dizer quais visões religiosas podem e quais não podem se expressar em seus países, bem como autoridade para o Estado punir aqueles que professem confissões “inaceitáveis”, de acordo com o que acreditam. Isso equivale a tornar a perseguição legal, criminalizando palavras e ações contrárias ou diferentes de uma opção religiosa particular – no caso, o islamismo. Se aprovado, esse instrumento também dará legitimidade internacional a leis nacionais que punem, por exemplo, a blasfêmia contra o Islã ou que proíbam críticas à religião majoritária. Com isso, minorias religiosas, não somente cristãs, passarão a sofrer muito mais pressão, especialmente, em países islâmicos.
Especialistas em ciências da religião preveem que, em menos de três décadas, a Europa se tornará majoritariamente muçulmana. A liberdade religiosa no Ocidente corre risco?
Basta andar por qualquer país europeu para se ver grandes grupos islâmicos, bairros inteiros. Isso ainda não é um dos maiores motivos de preocupação, pois a Igreja lá, apesar de decadente, ainda é livre. A diferença entre a Igreja perseguida e a Igreja da Europa é que aquela é muito mais ativa e está, inclusive, disposta a pagar o preço para ver seus conterrâneos convertidos a Cristo. As agências missionárias tradicionais devem atentar com mais carinho e cuidado para a Europa, que entregou-se ao secularismo. O que está acontecendo na Europa é um processo irreversível – o continente deixou de ser celeiro de missões para se tornar um campo missionário.
E no Brasil, o senhor enxerga algum movimento que possa contrapor-se à livre expressão de crença?
A curto e médio prazos, não vejo nenhuma ameaça à liberdade religiosa no Brasil, mesmo com a eventual aprovação do Projeto de Lei 122/06 [N.da Redação: a proposta institui, entre outras medidas, a condenação legal à chamada homofobia]. Mesmo que ele seja aprovado, a probabilidade de ser derrubado no Supremo Tribunal Federal é grande, pois é inconstitucional. Nosso país ainda é cristão – veja como as discussões sobre a legalização do aborto, que conta com a oposição ferrenha da maioria dos católicos e evangélicos, influenciaram tanto as últimas eleições.
Mas a restrição ao discurso evangélico contra a homossexualidade não representa uma ameaça ao trabalho dos pastores e das igrejas?
A questão mais grave não é essa. Independentemente da aprovação ou não, o problema é que a sociedade brasileira já está se posicionando na defesa e na simpatia ao homossexualismo. Na mídia, você já percebe a valorização do comportamento homossexual. De agora em diante, mesmo que não leve a uma prisão ou ao fechamento de uma igreja, qualquer posição contrária ao homossexualismo já será duramente questionada. A Igreja deve se posicionar contra todo pecado, independentemente de qual seja, se homossexualismo ou corrupção – e não, classificá-lo. A Igreja perseguida nos dá um bom exemplo dessa estratégia. Num país onde existe perseguição, é necessário se posicionar como cristão. Não há meio termo.
Processos de revolução social e econômica geralmente antecedem momentos de grande mudança espiritual, como aconteceu no Reino Unido no século 18 e, mais recentemente, no Leste Europeu. Na sua opinião, a China passa por situação semelhante hoje?
Nesses próximos anos, se houver algum movimento social que possa trazer uma mudança para a Igreja, um avivamento, acredito que acontecerá na China. Aquele país vive um período de transformações, com a abertura econômica, mas ainda mantendo um forte controle político e social pelo Estado. As igrejas de lá ainda sofrem muito, mas o processo já tem trazido alívio a muitas delas, principalmente nas grandes cidades. Por outro lado, também temo, pois a Igreja, quando consegue a liberdade, tende a ser mais acomodada. Na China mesmo, muitos jovens cristãos estão deixando o interior para ir ganhar dinheiro nas metrópoles. Esse novo estilo de vida atrai a juventude, e a tendência é de os valores cristãos ficarem em segundo plano. Parece contraditório, mas a liberdade muitas vezes mais prejudica a Igreja do que a ajuda.
O governo brasileiro acaba de reconhecer a legitimidade de um futuro Estado palestino. Se essa nação de fato for implantada, o que mudaria em relação ao cristianismo na região?
A decisão representa um apoio importante para uma população necessitada, e para se reparar uma injustiça histórica. Mas, na prática, não muda muita coisa, por causa do peso do Brasil. Se fossem os Estados Unidos, seria outra dimensão. A situação na região é complicada e isso, por si só, dificulta muito o trabalho missionário. Quando estive por lá, conversei com cristãos palestinos e judeus messiânicos, ou seja, crentes em Jesus dos dois lados do conflito. Há uma enorme dificuldade em trabalhar a reconciliação entre esses dois grupos. O judeu messiânico resiste a se relacionar com o cristão palestino. Ambos os lados têm suas posições em relação à terra e seus sentimentos de dor; acompanharam de perto os acordos e resoluções nos últimos anos, mas sabem que apenas Cristo pode trazer a paz definitiva àquela região. A Igreja brasileira tende a ser mais sionista, apoiando Israel, mas sem conhecer o contexto. O Israel de hoje é secularizado, não sabe quem é Deus e não o busca. Apenas uma minoria é religiosa. Em relação à presença missionária brasileira, no lado palestino, somos muito bem recebidos. Eles nos amam. Seria muito bom que os grupos de cristãos brasileiros que visitam Israel tirassem um tempo para estar entre seus irmãos palestinos. No Brasil, temos um potencial enorme e estamos nos estruturando para aproveitá-lo. Nos próximos 15 anos, queremos ter 1 milhão de brasileiros engajados na causa da Igreja perseguida – não apenas contribuindo, mas orando, escrevendo cartas, visitando, enfim, agindo de alguma forma em favor dos seus irmãos que têm os mais básicos direitos negados devido à fé que professam.
O senhor acredita que é possível despertar a Igreja do mundo livre para as necessidades dos crentes que sofrem perseguição?
Costumo dizer que, quando a Igreja preocupa-se com missões, geralmente se lembra de dois personagens: o missionário ou o perdido. Mas, nessa temática, não se fala sobre o que acontece quando esse perdido se converte. Uma coisa é se converter no Brasil; outra, é aceitar o Evangelho no Oriente Médio, no norte da África ou no sul da Ásia. A Igreja Perseguida precisa ser incluída, urgentemente, na pauta missionária. Não se pode olhar para as nações unicamente como povos não alcançados. Tudo bem que há muitos lugares para os quais precisamos enviar missionários; mas também há países e regiões em que isso é impossível. Lá, existem igrejas locais que precisam ser fortalecidas.
Missões de origem internacional estão enfrentando dificuldade para captar recursos e manter suas atividades no Brasil. Como Portas Abertas tem enfrentado essa crise?
Acho que o grande problema das outras missões é que ficaram por demais dependentes, esperando recursos de fora. Desde o começo, Portas Abertas Brasil nunca dependeu de recursos externos. Fomos aprimorando nossa forma de trabalho no Brasil, e isso deu confiabilidade à organização. Temos auditorias interna e externa, há prestação de contas. Mesmo com sua origem estrangeira, a missão tornou-se uma parceira brasileira, por respeitar e trabalhar com a Igreja nacional. A contribuição financeira do Brasil no orçamento mundial de Portas Abertas tem aumentado gradativamente. Em 2011, devemos ficar entre as seis bases que mais contribuem para os projetos de campo, ficando atrás de países ricos como Holanda, Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha, e em patamar semelhante ao da França.
O governo brasileiro já sinalizou que pretende exercer maior controle sobre as instituições do Terceiro Setor. Isso pode prejudicar as missões evangélicas?
Qualquer organização do Terceiro Setor deve ser muito transparente. Isso é um princípio básico, que, se não for respeitado, fará com que as fontes de financiamento se fechem. As modernas fundações, por lei, já são preparadas para auditar quanto entra e o que é feito de seus recursos. Uma minoria de igrejas e entidades evangélicas presta contas, divulga quanto arrecadou e em que gastou para os fiéis. Isso é um processo de aprendizado. Mas, quem não deve, não teme. Nossa única preocupação é continuar mandando recursos com isenção do Imposto de Renda. Se o governo quiser tributar 15% da arrecadação das entidades, será um valor elevado.
Hoje, com as modernas tecnologias de informação e transmissão de dados, o contrabando de Bíblias em papel, que deu origem à missão, ainda é vantajoso?
Desde a época do cassete, como muita gente nas regiões que atendemos não sabe ler, já gravávamos e distribuíamos textos sagrados em fitas para gravador. Hoje, muitas pessoas em países fechados já leem as Escrituras através de microchips. Portas Abertas está atenta às novas mídias, usando-as principalmente em favor do público mais jovem. Mas, não tem jeito – em muitos lugares, o papel ainda é a única mídia disponível. E continuaremos, durante anos, contrabandeando o bom e velho livro de capa preta.
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